8 mulheres para o 8 de Março

 

Dona Josefina está aproveitando o fim de tarde sentada à soleira da sua porta,

na rua Agostinho Gomes. Ao seu lado, espichada em branco e preto a boa distância,

a cadela Lua e sua comprida coleira rubra.

Dona Josefina está com 80 anos, o cabelo pintado de lua, liso e comprido,

reluz com o sol da tarde.

Uma vida vivida: casou-se, teve três filhos (um deles, hoje desempregado,

vive com ela), morou em diversas casas e bairros (o valor do aluguel

determinando a mudança), acumulou muitos empregos e funções, em firma

e em casa de família. “Em firma é melhor porque é mais seguro”, garante.

Um pensamento ela decifrou do enigma da vida, que ele nunca termina:

“A vida é um segredo, porque nunca se sabe

o dia de amanhã”.

A Lua é meio aluada e não vai com todo mundo, não, ressabiada.

Os dentões se entremostram na bocarra brava.

É só com a vizinha que ali vem pela calçada, com seus dois cães,

que a Lua vai, a passeio. Dona Josefina já não aguenta a força do arroubo

da companheira, que puxa muito.

Dona Josefina e a cadela Lua são algo tão cotidiano, tão simples

tão humilde, que emocionam. Talvez porque pareçam um chamado

à despreocupação e descanso, quando a gente se sente tão cansada e tão sem paz.

A alça metálica pregada no batente da porta serve para que

Dona Josefina possa se apoiar ao entrar, transpor a soleira

mais elevada da porta e entrar com segurança, porque o chão,

lá dentro, é mais embaixo. Por ali a água pode subir, e

m dia de forte chuva, e convém se proteger.

E, com a mão apoiada nessa alça, Dona Josefina entra com cuidado

e fecha a porta marrom. Daqui a pouco a Lua volta.