Prefeitura resiste a transformar antigo incinerador em polo ambiental e cultural

Prefeitura resiste a transformar antigo incinerador em polo ambiental e cultural

O movimento civil pela transformação do antigo incinerador Vergueiro num centro de educação ambiental e cultural completou um ano neste domingo (30). Batizado de Usina Eco-Cultural por voto dos integrantes, o movimento une centenas de moradores e entidades da região do Ipiranga, mas enfrenta a resistência da Prefeitura SP.

Localizado na rua Breno Ferraz do Amaral, junto da estação do metrô Santos-Imigrantes, o antigo incinerador funcionou como local de cremação de resíduos hospitalares durante cerca de três décadas, poluindo as redondezas. A luta da sociedade pelo fim de suas atividades foi travada durante anos e só foi vencida no começo dos anos 2000, quando o forno local foi apagado.

As instalações estão abandonadas desde 2002.

O estopim para a mobilização de agora foi a proposta do vereador Camilo Cristofaro (Avante) de reacender o forno, desta vez para a cremação de animais domésticos, como cães e gatos.

Os participantes do movimento tomaram então a iniciativa de ocupar o prédio e ali mostrar, para as autoridades, que a população não queria um projeto como esse e sim um polo de atividades ambientais e culturais.

Nesse primeiro ano de Usina Eco-Cultural, o movimento se organizou, cresceu e realizou eventos abertos ao público praticamente em todos os fins de semana nas instalações abandonadas, como oficinas de plantio de mudas, ioga, dança, teatro e skate, além de debates e apresentações musicais e feiras de economia criativa.

Aula de ioga nas instalações do antigo incinerador.
Ação do movimento conscientiza sobre importância vital das abelhas.

A Usina Eco-Cultural foi ganhando repercussão na mídia e adeptos no Parlamento, com apoios de deputados estaduais e vereadores, alguns integrantes do PSOL. O partido faz oposição ao atual prefeito de SP, Ricardo Nunes (MDB).

Daí vem parte da animosidade que o movimento foi atraindo do poder público, com a Subprefeitura Ipiranga como instrumento de interlocução difícil e repressão. Em maio último, o movimento foi multado pela “ocupação irregular” em R$ 42 mil e informado da obrigatoriedade de deixar o local.

A luta da usina passou então a ser travada do lado de fora do edifício. Houve em julho a realização do primeiro evento externo, com aumento de participação do público.

E, neste sábado (29), celebrou-se, do lado de fora, o aniversário de um ano do movimento, com shows e cerca de 300 participantes.

Questionada pelo Ipiranga22, a prefeitura paulistana informou que até hoje o movimento não apresentou os documentos completos para a autorização de eventos no local e lembrou também de que o solo continua contaminado e impróprio à presença humana, embora sem realizar estudos.

Segundo a prefeitura, permanecem no solo resíduos de classe 1, que são, por exemplo, corrosivos e tóxicos.

Também questionado pela reportagem, o subprefeito do Ipiranga, Adinilson Almeida, afirmou, de forma genérica, que “todo movimento pacífico e voltado à melhoria da qualidade de vida é justo e importante”.

Entretanto, a criação de um centro de educação ambiental e cultural continua fora dos planos da gestão atual.

“Atualmente, estão em andamento estudos para encontrar uma destinação adequada para o espaço, visando reduzir os custos de aluguel para a municipalidade e preservar a história do local”, expressou a prefeitura, em nota.

Disputas paroquiais à parte, a população quer mesmo é um equipamento público que cumpra sua função de lazer, serviço e educação. Já são quase 1.400 pessoas assinantes da petição que pede a Usina Eco-Cultural. Se o poder emana do povo, que se cumpra seu desejo, não?

Encenações teatrais também marcaram a programação dentro da usina.

 

Cetesb multa Prefeitura SP por atrasar laudos sobre ex-incinerador

A avaliação da possível contaminação do solo do antigo Incinerador Vergueiro tem a própria Prefeitura SP como obstáculo, segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de SP).

A administração municipal vem atrasando seguidamente a entrega de dois relatórios solicitados pela Cetesb referentes à área do ex-incinerador: de avaliação preliminar e de investigação confirmatória.

Diante de sucessivos atrasos, a Cetesb decidiu multar a Prefeitura SP em mais de R$ 22 mil, em junho passado, e aguarda agora um retorno.

Em resposta à deputada estadual Marina Helou (Rede), a Cetesb afirmou também que será necessário parecer técnico sobre o plano de reutilização da área, seja qual for seu fim, para que a demanda avance.

Outro passo formal do movimento foi a convocação de audiência pública da Câmara Municipal, para reunir todos os envolvidos na questão do ex-incinerador. Será no próximo dia 12 de agosto, às 9h30, na escola vizinha ao prédio em disputa: a escola estadual Raul Humaitá, na rua Breno Ferraz do Amaral.

Ocasião de a população pressionar mais uma vez por transparência e compromisso. #queremosausinaecocultural

 

“A cidade está em disputa”: A visão de dentro do movimento

 

Ipiranga22 – Qual o balanço que se faz do movimento depois de um ano de mobilização?

Usina Eco-Cultural – O movimento de transformação da usina completou um ano hoje [domingo, 30], importante fazer uma análise dessa trajetória, que é resultado da iniciativa do Conselho do Meio Ambiente. No primeiro momento, o movimento tinha como objetivo claro: abrir um debate com a população, porque entendemos que a população é a principal interessada no futuro uso do equipamento do antigo incinerador Vergueiro.

Diante disso, levamos a população para dentro do território da usina, criamos diversos eventos de educação ambiental, cultura e consciência política, isso foi fundamental para que as pessoas se apropriassem desse espaço público e, principalmente, desse debate que é o destino do edifício. E, graças ao nosso compromisso com a causa ambiental, o nosso maior objetivo foi alcançado.

Entre as diversas ações que fizemos, tivemos na área ambiental a visita da UMAPAZ, escola do Meio Ambiente da Secretaria do Verde, em um evento sobre resíduos sólidos; foi criada uma horta suspensa por um integrante do movimento e também professor de educação ambiental Léo Medeiros; fizemos ações diversas de plantio de árvores nativas e doação de mudas, tivemos vários momentos falando da importância das abelhas no planeta, sempre trazendo a agenda 2030 da ONU como nossas diretrizes também.

Nas ações culturais e bem-estar, o movimento criou um grupo de teatro chamado Teatro Físico, coordenado pela atriz Sol Whitaker; temos aulas de Ioga com a professora. Katia Santana; também tivemos aulas de dança de vários ritmos, como zumba, forró e dança circular. Trouxemos atividades femininas e feministas para o movimento com um grupo de mulheres da usina, fizemos oficina de escrita, criamos um grupo de comunicação da usina, montamos uma biblioteca com doações de livros da própria comunidade, tivemos eventos com grafite, skate, brincadeiras de rua e atividades para as crianças e idosos.

No espaço físico da usina, criamos uma cozinha na antiga guarita, que foi feita para atender nossas atividades e eventos; reformamos o banheiro; construímos um palco para apresentações com madeiras de reúso descartadas de obras; cuidamos da vegetação; fizemos vários mutirões para arrumar as salas da biblioteca, teatro e ateliê de artes e sempre limpamos o espaço da usina.

Na luta política, tivemos muitas conquistas de apoio de parlamentares, mas tivemos também embates, não temos a inocência de achar que toda nossa construção seria tranquila, sabemos que a cidade está em disputa e tivemos embates com a prefeitura, que nos multou [em cerca de R$ 42 mil] e nos proibiu de acessar a área da usina nesse momento. Entendemos que isso é parte da luta e o movimento segue firme.

Pais e filhos se uniram nas atividades pela criação da usina. O futuro precisa ser melhor

 

Ipiranga22 – O que foi até aqui a grande vitória? Por quê?

Usina Eco-Cultural – A maior vitória que tivemos até agora é ter o apoio da população local e de outras áreas da cidade, além das diversas entidades e organizações do bairro e de outros bairros que nos apoiam cada dia mais. Temos também muitos parlamentares que defendem o movimento tanto na Câmara Municipal quanto na Alesp e no Congresso Federal. Nosso movimento tem cada dia mais apoiadores e é pluripartidário. Veja a lista de parlamentares que apoiam o movimento: deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), vereadora Luna Zarattini (PT), vereadora Silvia Ferrado (Bancada Feminista – Psol), deputada federal Samia Bomfim (Psol), vereadora Luana Alves (Psol), vereador Celso Giannazi (Psol), deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), deputado federal Luciene Giannazi (Psol), deputado estadual Guilherme Cortez (Psol); deputado estadual Marina Helou (Rede), deputado estadual Ediane Maria (Psol); vereador Nunes Peixeiro (MDB), vereador Aurélio Nomura (PSDB) e o ex- vereador Nabil Bonduki.

A festa de um ano, 29/07/2023, reuniu artistas para celebrar o desejo de ter uma usina eco-cultural no Ipiranga.

 

Ipiranga22 – Qual a perspectiva real de o antigo incinerador se tornar efetivamente um centro de educação ambiental e cultural? O que falta para isso se tornar realidade?

Usina Eco-Cultural – Temos plena consciência de que isso tem relação direta com a vontade política de quem está no poder, a população já se mostrou muitíssimo interessada que haja o Museu do Meio Ambiente dentro de um grande polo cultural ali. É evidente que a luta ambiental é a maior luta do planeta e não faz sentido nenhum ir contra isso, ninguém até hoje se posicionou contra o movimento. Mas a atual gestão da prefeitura não tem construído essa proposta conosco, diz que não é contra, mas multou o movimento alegando que o solo é contaminado, o que é uma contradição, não faz sentido para nós porque o mesmo solo dentro da usina é o solo de todos os edifícios do entorno, da calçada e da rua.

 

Ipiranga22 – Deixe uma mensagem final.

Usina Eco-Cultural – Convidamos toda a população para participar desse amplo debate para que a cidade seja decidida por quem vive o território de fato. A Usina Eco-Cultural já é um centro de cultura e meio ambiente, mas precisamos que isso seja concretizado e reconhecido por todas as escalas do poder público, no âmbito municipal, estadual e federal. Convidamos toda população, entidades e parlamentares, independentemente da ideologia, para participar dessa luta, o caminho já existe!

 

Fotos: Movimento Usina Eco-Cultural, julho 2022-julho 2023