Carlos Simões, o Bargache, vem alimentando a comunidade ipiranguista com suas pizzas (durante um tempo) e sua amizade (todos os dias). “Moro faz pouco tempo aqui no bairro: só 72 anos. Apenas nasci na Vila Maria [zona norte].”
Seu cabelo (quase farto) e cavanhaque encanecidos, branquinhos feito algodão, se destacam na paisagem comercial da região da Silva Bueno, que costuma frequentar. Olha ali o Bargache na porta da padaria 22 de Julho @panificadora22dejulho.
É um sábio, da corrente filosófica bargacheana, para epicurista, para existencialista algum botar defeito:
“A vida é alegre, bela e fácil, a gente é que complica”;
“Se você sente solidão, olhe para trás: você é que criou essa situação”.
Gotas dessa sabedoria, derramadas sem mistérios.
Um aprendizado ele herdou do pai como firme norte, basilar, que assim um dia lhe falou: “Você veio ao mundo porque eu e sua mãe brincamos. Se a gente ficasse levando tudo a sério, ficasse só olhando um para a cara do outro, você não teria nascido”.
“Por isso procuro não levar a vida muito a sério”, sorri.
Ah, mas que não venham procurá-lo com a carranca, o cenho, enfezados! “Quem não sorri não quero perto de mim. Passa reto. Sou alegre comigo mesmo”.
Bargache foi proprietário, por dez anos, da Pizzaria do Bargache, na esquina das ruas Lino Coutinho e Lord Cochrane, onde hoje habita um bar.
Mas ele não saiu daquele pedaço de chão, veja a carapinha dele ali em cima na sobreloja, onde mora, ele é o dono do imóvel.
Ainda alimenta um sonho de alimentar: o lançamento do empreendimento denominado Ponto de Reencontro dos Amigos do Bargache.
Um espaço para acolher seus tantos amigos, outra vez, com bebidas e comidas.
“Tem que esperar essa crise passar. Eu gosto de uma força criada por mim mesmo e não tenho pressa.”
Da pizzaria ficou o sabor inigualável da saudade. “Teve dia de eu até chorar no balcão.”
Uma passagem se eternizou em sua memória-coração: a terça-feira em que um freguês encomendou a entrega de 130 pizzas! “Era a ‘Exibição da Pizza do Bargache’, dava volta no salão de tanta pizza”, e seus olhos escuros brilham.
Bargache nasceu em 22 de novembro de 1948, filho de Emília Augusta Simões e Alberto Simões, com raízes portuguesas.
Não se casou nem teve filhos. E justifica sua solteirice com um “trashão” daqueles medonhos, de Rodolfo & ET: “Comprei uma panela de pressão só pra ver se eu cozinho mais depressa.
Eu sou solteiro e não tenho compromisso, se eu lavo ou se eu cozinho, ninguém tem nada com isso”.
E pondera, compreensivo: “Tem que ser amigo um do outro. Bom é ter uma companhia”.Aí ele emenda uma bela anedota, uma parábola (pouco) bíblica: de um homem que precisava satisfazer sexualmente sua mulher, mas temia não dar conta do recado.
“E se eu falhar na hora?”
“Usa o dedo.”
“E se o dedo ficar assim, ó, paralisado?”
“Usa a língua.”
“E se a língua também ficar paralisada?”
“Então diz para ela: ‘Deita, fecha os olhos e relembra o passado’.”
“Ora, para tudo tem um jeito”, e Bargache dá um longo trago em seu cigarro, curvando o pescoço. “Você é que comanda o seu próprio caminho.”
“Ecce homo”, eis o Bargache, filósofo da vida real, um sábio ipiranguista.
“É bom sempre encontrar um amigo”, dirá ele a você quando você chegar, desarmando os braços para recebê-lo. Procure-o. Vale muito uma prosa com esse digno homem.
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