A paz movimentou o coração

A paz movimentou o coração

A 25ª Caminhada pela Paz de Heliópolis botou mais uma vez nas ruas a cultura de paz (e a educação) como prioridades da formação e convivência humanas. É um dos movimentos mais bonitos e emocionantes de toda a região do Ipiranga.

Foram cerca de 5 mil caminhantes, crianças, adolescentes, professores e outros profissionais da comunidade escolar, entidades sociais e a comunidade local, na conta dos organizadores. Já houve ano em que a caminhada chegou a reunir 10 mil pessoas, mas os 5 mil desta sexta-feira (18) é um bom público, haja vista a interrupção forçada pela pandemia do novo coronavírus.

Os pioneiros

Para a gente, do Ipiranga22, foi a chance de conhecer a gente pioneira da caminhada, lá no ano de 1999, quando marcharam pela primeira vez indignados pela morte da estudante Leonarda, da escola Presidente Campos Salles, quando voltava à noite para casa, depois do encerramento das aulas.

Estavam ali, puxando o coro dos combatentes, os educadores Braz e Orlando, que organizaram a primeira caminhada. Braz foi o idealizador, Orlando, um dos líderes entre os professores. Gente que marcou a história da nossa região e já são figuras lendárias.

“Nós so-mos da paz / Não a-cei-ta-mos vi-o-lên-ci-a!”, era o Braz, calva proeminente e barba encanecida, bradando e saltando ao mesmo tempo, no meio da rua bloqueada ao trânsito.

A Caminhada pela Paz é uma espécie também de vitrine para os trabalhos dos alunos das escolas da região, orientados pelos professores, com foco no tema da cultura de paz. A propósito, essa cultura foi incorporada ao dia a dia dos alunos.

“O trabalho dentro da cultura de paz começa no primeiro dia de aula”, frisa a professora aposentada Maria Lúcia de Nápoles, que lecionou na Campos Salles e veio trazer seu apoio outra vez.

Cozinheira de um projeto social que cuida de crianças e jovens vítimas de abuso sexual e psicológico, Elizabeth Friolle também vincula as coisas:

“Para ter paz, em primeiro lugar precisa ter educação”.

Alunas e alunos do ensino fundamental e médio ostentavam cartazes e faixas contra o racismo, pelo respeito às mulheres (e às mulheres negras, com destaque), pelo respeito à diversidade, contra o preconceito de gênero e outras bandeiras importantes.

“Paz, paz, paz, violência nunca mais!”, os menores vão puxando o coro pela Estrada das Lágrimas.

A professora Maria Lúcia e a cultura de paz no dia a dia da escola

Renda básica universal

E ali eis o Suplicy. Ele é uma figura já constante nas caminhadas, não perde uma. Eduardo Suplicy, hoje deputado estadual pelo PT, foi convidado a discursar do carro de som, na abertura da caminhada.

Parecia um Dom Quixote. Sua luta de vida é pela universalização da renda básica. A renda básica seria um caminho para produzir paz na sociedade mundial, já que garante o sustento mínimo de todos os seres humanos do planeta.

Suplicy discursou, declamou a canção “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan, como um poema traduzido para o português e depois cantou a própria música em inglês. Foi muito aplaudido.

Suplicy voltou a defender renda mínima para todos

No chão, entre muitas fotografias com os fãs, Suplicy falou ao Ipiranga22:

“Se quisermos a construção de um mundo mais justo e fraterno, um mundo de paz, será preciso a promoção de valores humanos não baseados na busca exclusiva de lucro, mas igualitários e solidários”.

Suplicy citou então o sonho de igualdade de pastor e defensor dos direitos humanos Martin Luther King, de união e igualdade de todos os seres. “A renda básica universal é um caminho para isso “, finalizou.

Por dentro da comunidade

A caminhada segue agora por dentro das vielas e ruelas do Heliópolis.

No alto, múltiplos emaranhados de fios, prédios de até seis andares em construção, outros já construídos. Os edifícios em obras lançam a dúvida: haverá engenheiro assinando esses projetos, haverá alvará autorizando formalmente a execução? Um assunto a ser examinado com calma depois, mas ficou a apreensão no peito.

No nível das ruas, dezenas e dezenas de comércios: bares e restaurantes, salões de cabeleireiro, serviços. Essa gente vai olhando com curiosidade a gente que passa se manifestando.

“Vem! Vem! Vem pra rua, vem, pra caminhada!”, convidam os passantes.

Resgate indígena

Chama a atenção agora uma mulher com indumentária indígena colorida, constituída de penas. Ela caminha no pelotão dianteiro da marcha. Seu nome é Maria Agraciada Tupinambá. Ele é da Bahia e integrante da Teia dos Povos. A teia é um projeto de proteção aos direitos indígenas em âmbito nacional.

Maria Agraciada Tupinambá e o resgate indígena na periferia

No Heliópolis, e em outros endereços de periferia, Maria Agraciada diz estar começando um trabalho de resgate de descendentes indígenas ali residentes. O objetivo é alcançá-los e apoiá-los no que precisam. “Queremos também valorizar o sentido de pertencimento a essas pessoas, como povo originário”, explica a ativista.

Então voltamos à Estrada das Lágrimas, para retornar ao CEU Heliópolis, de onde partimos cerca de duas horas atrás. Olha lá, a multidão vem subindo que nem cobra pelo chão. Falas engajadas e declamações e canções ao microfone do carro de som principal.

As crianças continuam animadíssimas, caminhando e bradando como lá no começo, cerca de 2 km atrás. São lindos, as professoras sorriem, toda orgulhosas.

Na chegada ao ponto final, na entrada do CEU, um fechamento da caminhada, pelos organizadores, ao microfone. A gente ficou pensando em como trazer a cultura de paz para o nosso dia a dia. Também pensando em alimentar algo que nos alegre. É bom se sentir perto dessa gente, dessas crianças e jovens, que levarão o mundo adiante juntos e depois de nós.

Foi feliz ver a vibração do Braz e do Orlando, já decanos do movimento, contribuindo com sua presença e sabedoria, mas não mais na cabeça do movimento. Os que vieram depois de nós vão conduzir as coisas e nós estaremos do lado deles para avançarmos juntos. Isso é o propósito –e mobiliza.

 

Veja entrevista com o educador Braz clicando aqui.