“Adensamento não é justiça social e exclui pobres do Ipiranga”, diz urbanista

“Adensamento não é justiça social e exclui pobres do Ipiranga”, diz urbanista

A revisão do Plano Diretor Estratégico de SP avança na Câmara Municipal mais como demanda do mercado imobiliário do que como interesse público e deixa longe das discussões bairros de uso misto, como o Ipiranga.

Além disso, a política de adensamento populacional proposta, de mais projetos habitacionais junto dos grandes eixos de transporte de massa, como no caso ipiranguista do terminal intermodal Sacomã e das estações de metrô Alto do Ipiranga e Santos-Imigrantes, segue a lógica da segregação social porque não contempla os mais pobres.

São algumas das considerações do arquiteto e urbanista Lucas Chiconi Balteiro, pesquisador da Cacal (Cultura, Arquitetura e Cidade na América Latina) e diretor do IABsp (Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo), em entrevista ao Ipiranga22.

A revisão do Plano Diretor de SP passou em primeira votação na Câmara dos Vereadores no dia 31 de maio último. Uma segunda e definitiva votação acontecerá após oito audiências públicas, mas ainda não há data marcada para acontecer.

A seguir, a entrevista.

 

“Diversidade de usos caracteriza região do Ipiranga”

Lucas Chiconi, urbanista

 

 

“A região do Ipiranga é frequentemente associada ao conjunto do Parque da Independência e do Museu do Ipiranga, assim como os casarões que o rodeiam e dizem respeito a uma tentativa de apropriação pelas velhas elites, nos moldes dos bairros-jardins do sudoeste da cidade.

Contudo, há uma diferença importante a ressaltar: por meio da industrialização, a região do Ipiranga foi ocupada e, posteriormente transformada, por meio de classes médias em ascensão, em um lugar que não tem a exclusividade residencial como diretriz de uso e ocupação, mas sim uma ampla diversidade de formas construídas e usos mistos.

É essa interface de usos mistos que deu a tônica dessa região situada na transição entre as zonas leste e sul da cidade, além de estar vizinha ao ABC paulista.”

 

“Bairro misto, como o Ipiranga, continua esquecido”

Lucas Chiconi, urbanista

A fábrica Coats Corrente, na rua do Manifesto, é uma das mais antigas da região do Ipiranga. Ajudou a fixar gente quando a região era um subúrbio ermo
A fábrica Coats Corrente, na rua do Manifesto, é uma das mais antigas da região do Ipiranga. Ajudou a fixar gente quando a região era um subúrbio ermo

“Não só a revisão do Plano Diretor tem se dado de maneira muito limitada, como de toda a política urbana, viciada em tratar a cidade por meio dos instrumentos urbanísticos e, quase sempre, em lugares tratados com prioridade, à exemplo da zona central e da região de Pinheiros [zona oeste]. Pouco é falado, e até mesmo pesquisado, sobre bairros mistos, como o Ipiranga, intensamente transformados pelos processos de desconcentração industrial e o avanço do setor terciário.”

 

“Adensamento exclui periferia do Ipiranga e não significa justiça social”

Lucas Chiconi, urbanista

 

Vista da região do Sacomã e do Heliópolis, via Google Earth
A região da favela do Heliópolis (distrito do Sacomã) concentra a maioria da população do Ipiranga. São cerca de 250 mil pessoas vivendo ali. Essa gente não faz parte dos planos das construtoras. Vista da região via Google Earth

“Adensar é verbo e não adjetivo. Portanto, entende-se que um lugar com infraestrutura de transporte de alta capacidade, com mais pessoas morando, tende a potencializar o incentivo ao uso do transporte público e qualificar a mobilidade a pé nesses locais.

Porém, associar o adensamento pela produção imobiliária privada [sempre ou quase sempre com edifícios verticais] como forma de justiça social é equivocado, uma vez que grupos sociais periféricos, sobretudo negros, não acessam tal produção. Heliópolis, a maior favela paulistana, hoje com status de bairro, é parte relevante do Ipiranga, mas, mesmo com toda a atividade imobiliária da região nas últimas décadas, segue segregada.”

A pandemia deixou uma multidão desempregada e sem renda e desalojou muitas famílias de suas casas. Foi a origem da Ocupação Porto Príncipe, que une haitianos e brasileiros, na junção da avenida do Estado com a avenida Teresa Cristina
A pandemia deixou uma multidão desempregada e sem renda e desalojou muitas famílias de suas casas. Foi a origem da Ocupação Porto Príncipe, que une haitianos e brasileiros, na junção da avenida do Estado com a avenida Teresa Cristina

 

“Mercado imobiliário ‘sequestra’ política urbana e Plano Diretor”

Lucas Chiconi, urbanista

 

“É urgente que o debate da política urbana, especialmente do Plano Diretor, seja mais amplo em interlocutores, especialistas e regiões da cidade que aguardam por um debate mais democrático, realista e também responsável.

A política urbana não pode estar refém de instrumentos que só visam regular a produção imobiliária privada. É urgente discutirmos projetos urbanos, buscando retomar a relação com nossos rios, valorizando os espaços públicos e a relação com os espaços de memória, como é o caso das muitas vilas que formam a região do Ipiranga, e elementos naturais, como o riacho do Ipiranga e o rio Tamanduateí.

Fortalecer as centralidades locais e regionais também deveria ser prioridade nas diretrizes urbanas, assim como a articulação metropolitana, nesse caso, pelo terminal intermodal Sacomã.

Regiões do Ipiranga junto de eixos de transporte de massa veem multiplicar a construção de edifícios verticais para a classe média alta. O adensamento pretendido põe no chão centenas de casas antigas e não contempla os mais pobres
Regiões do Ipiranga junto de eixos de transporte de massa veem multiplicar a construção de edifícios verticais para a classe média alta. O adensamento pretendido põe no chão centenas de casas antigas e não contempla os mais pobres