Dona Ivone Zambianco, 89, vem subindo a Conde Vicente de Azevedo empurrando um carrinho com bojudo saco com latinhas de alumínio. São mais ou menos sete quilos, nas contas dela. Capturados no Parque da Independência em domingos e feriados.
Para onde a senhora vai, Dona Ivone?
“Vou vender na Manifesto [no ferro-velho de lá] e depois com o dinheiro vou ao Atacadão.” É uma caminhada e tanto a que fará, quilométrica. Para depois voltar, subindo e descendo outra vez.
O preço do quilo da latinha de alumínio baixou bastante recentemente, para menos de R$ 6,00. Por isso, caiu a renda da Dona Ivone.
Ela fará 90 anos em 6 de maio do ano que vem. “Vou devagarinho, parando aqui e ali.”
“Tem dia em que a gente ri, tem dia em que a gente chora.” Vive em grande parte com a pensão de viúva, do marido herdou também o sobrenome italiano. Tem netos, bisnetos e até um tataraneto. Vida multiplicada pelo tempo.
Dona Ivone é inspiração para quem a conhece: “Quando envelhecer, quero ser como a senhora, cheia de energia”, dizem algumas, quando a veem.

A obrigatória fantasia
Se parte da história que a Ivone conta é mais fantasia, não importa, porque é uma história e tanto e mostra as possibilidades de sonho de uma região.
Na época da Segunda Guerra Mundial (1939-45), ela menina, costumava se esconder com a família e vizinhos no oco do Monumento à Independência, se houvesse perigo de algum ataque aéreo. “A gente puxava uma portinha no assoalho e entrava para baixo, assim.”
Parentes muito próximos foram o primeiro guarda do Parque da Independência e o primeiro jardineiro do local. Teve tia que habitou a Casa do Grito, onde havia também a cama da Leopoldina, a imperatriz, mulher do primeiro Pedro.
Penso que Dona Ivone é a manifestação acordada do sonho ipiranguista, o nosso inconsciente coletivo manifesto.
Ela atravessa agora o riacho do Ipiranga sobre os canos dispostos através do leito, e a mãe ralha muito com ela e as irmãs pela atitude inconsequente. “Vão apanhar!”
“Quando eu olho aqui tudo em volta, eu vejo os matos, as chácaras, as ruas de terra, não vejo isso aqui [e aponta em redor as casas, todas as construções, o asfalto, os autos etc.].”
Dona Ivone vive no tempo da fantasia e o tempo, para ela, não passa, ou melhor, só passa do jeito que ela passa.